quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O abre-cartas

Naquela esquina junta-se o melhor da sociedade. Sem ironias, prostitutas, carteiristas, indigentes proxenetas e agarrados todos juntos.
Clientes aparecem, alguns deles serão roubados por carteiristas com ar de chulos e terão de pedir nas ruas para pagarem o táxi da vergonha, que os conduzirá até casa, cúmplice do adultério.
Na casa deste Cliente o pior da sociedade. Um casal que não se ama, uma criança que do mimo cresce e vítima de esforço conjugal se acha. Um Cliente fixo e uma frígida permanente.
Se na esquina dos tormentos os urros e gargalhadas forçadas dão luz a uns fracos candeeiros, aqui, a luz forte escurece os semblantes carregados e distantes.
Na esquina o Cliente é um cliente, apenas mais um a gastar uns trocos numa fornicação fria e sem nomes. Em casa o Cliente é o inimigo a abater, que não se pode abater porque as regras assim o exigem. Há contas a pagar, um colégio privado a engordar e uma criança a oscular falsamente.
Na esquina todos são iguais, apenas mais uns trastes esquecidos que nem pela polícia são lembrados, a não ser quando o Estado resolve mostrar serviço e servidão.
Na esquina as regras e leis baseiam-se no dinheiro, pancada e fétido álcool. Impera a lei do"deixa ver até onde a corda estica".
No táxi culpado a cabeça sai do escuro e distante orgasmo e entra no modo de próximo afastamento. Ele pensa que nada na vida dele corre bem e apalpa algo no bolso. Sente um abre-cartas que pouco cautelosamente guardou no bolso do blazer de design parisiense.
A vida continuava a parecer-lhe como um corredor de morte, onde a porta de luz ao fundo lhe indica um caminho mortificante.
Retirou lentamente o abre-cartas do bolso. O Cliente tinha agora um pequeno reflexo laranja na lâmina e o punho direito cerrado ao ponto de os nós dos dedos se terem tornado brancos.
Um sorriso maquiavélico e final apareceu-lhe na cara ainda levemente transpirada.
Levantou o braço e cortou a garganta do taxista. Accionou o travão de mão com a mão esquerda

Na esquina continuava a vida porca e decrépita e na casa o silêncio enganador.