quarta-feira, 20 de junho de 2012

Confissão

Hoje deixo aos meus leitores uma breve história, a estória da minha vida nos últimos dias.

Estranharão se eu disser que me encontro enclausurado. Não enclausurado de uma maneira lírica, senão real. A minha morada nestes últimos dias tem sido a prisão, tenho visto o sol nascer aos quadradinhos. E se me perguntarem porquê, eu sei a resposta, só não sei a causa da resposta.
Certo dia, um fim-de-semana pelo que consigo lembrar, dou por mim com a boca a saber-me a algo férreo. Ainda sentia algum calor, mas não ardor ou dor na boca. Senti o pescoço como que a prender, como se lama tivesse secado nele.
Atarantado corri ao espelho mais próximo (casa-de-banho) e olhei-me.
Reconheci nela a minha cara disfarçada de rubro. Um vermelho vivo na boca, um vermelho seco no pescoço e um vermelho desbotado na T-shirt branca.
Estranhei o sangue. Despi-me. Procurei ferimentos, golpes, pelos de animais no meu corpo. Nada notei.
Mas este cheiro a sangue fresco reforçava-me a adrenalina, como um desporto radical.
Tentando, racionalmente, perceber o que se passava e não em tripar, reolhei o espelho e vejo uma aura no meu olhar que nunca outrora tinha visto. Entre raiva, paixão e excitação notei o brilho dos meus olhos.
De uma forma irracional e nervosa voltei onde me tinha despertado do transe. De um modo coerente analisei o que me murava.
Toda a sala-de-estar estava agora pintada a sangue. Mas mal pintada. Manchas desordenadas e salpicadas. Uma repartição abstracta, como se o Kadinsky estivesse a pintar embriagado.
A alcativa continuava gloriosa no seu negro imparcial, mas a cada pisadela deixava escorrer líquido vermelho.
A minha imagem ao espelho voltou-me à memória. Nauseado pelo cheiro e pela cor dei meia-volta para tentar encontrar a porta de fuga por onde um raio de luz ténue entrava.
Com a meia volta fugaz quase completa tropeço em algo. Olho para baixo e espanto-me com...
Alguém tapou a luz ténue. Rodam a maçaneta. O pânico. O meu pânico! Não sei que fazer, não sei o que fiz!
Tinha a porta ao trinco, deixei-a assim quando voltei do café depois de almoço.
Eles entraram, fardados e de vivaque.
Era a polícia.
Sem perguntas agarraram-me, algemaram-me e eu nada disse. Nada sabia.
Com nojo taparam a boca e desviaram o olhar.
Já eu sentia-me esfomeado. De carne crua e bem fresca. Senti os pelos dos braços eriçarem-se.
Uma força que desconhecia tomou posse de mim. Voltei-me para o polícia nº1, com as mãos atrás das costas, algemadas, e dei-lhe um pontapé que o derrubou. Manietado ataquei-lhe o pescoço com a boca bem aberta.
Infelizmente uma pancada foi sentida no meu flanco esquerdo, quando eu estava a meros centímetros de uma jugular pulante.
Retesei-me em dor, desmaiei e acordei hoje de onde vos escrevo.

Estou preso porque comi o meu irmão.