sexta-feira, 17 de junho de 2011

por ti

Olhei na poça de água e vi no seu reflexo uma figura pálida e de rosto encovado. Era eu. Eu sabia, sabia porque de cada vez que lavava a cara, de cada vez que fazia diariamente a barba, ou lavava os dentes, ou ajeitava o nó da gravata, lá estava ela, aquela figura e não outra. E não podia ser mais ninguém que não eu, eu, solitário.
A cada passo que dava sentia o frio entrar-me pelo cano das calças de linho amarrotado.
Era fim de Outubro. Os dias ainda iam quentes, mas os entardeceres arrefeciam. Ficava a pensar sobre as noites frias do deserto do Sahara, e pensar como lá poderia eu viver. O mesmo clima e a mesma solidão deste final de Outubro.
Os candeeiros laranjas-foscos já iluminavam o meu caminho e encovavam ainda mais o meu rosto.
Eu ia de encontro a ti.
As pedras das calçadas sabia-as de cor, as esquinas foram tanta vez dobradas por mim, que se se mexessem um milésimo de milímetro de cada vez que eu passasse, não eram mais que uma fima parede de papel.
A tua casa era ali, já ali. Ali e abandonada, decadente e arruinada.
O teu cabelo era o cabelo da Rapunzel, mas verde. Eu via o teu cabelo pendente da varanda breve.
Era verde como uma hera.
Ao velo os meus dentes ralos e transparentes mostravam-se. Os lábios agora sorridentes enchiam-me as maçãs dos rosto e os olhos brilhavam como que defronte de um candeeiro a óleo.
O teu cabelo era de facto uma planta que invadira a casa e caía agora pela varanda.
Eu sabia-o, eu não era tolo, mas esta imaginária era tudo o que me restava de lembrança de gentes.
Eu era o último dos homens vivos, e apenas dos teus cabelos vivia e ganhava cor.
Adormecia ali, até que a lembrança do espelho me acordava do meu torpor

sábado, 11 de junho de 2011

felicidade colossal

Ela queria ver o pôr do sol de alguma protuberância.
A tarde tinha estado perfeita. Um calorzinho entrecortado por entre nortadas frescas. As nuvens no céu estavam alinhadas ao desalinho, numerosas, mas não o suficiente para nublar o dia. O sol, lá se mantinha, para todos, castíssimo.
Ela hoje foi ver o por do sol.
Chegou ao Alto do Cabeço e procurou o melhor assento para se sentar. Uma pedra pareceu-lhe perfeita. Ficou ali sentada, queda.
O vento fazia-lhe dançar o cabelo negro. Os olhos verdes jade estavam constantemente a ser invadido pelo negro do cabelo. A pele morena estava coberta de um casaco de linha, fino, mas não o suficiente para não aquecer.
O sol tornara-se laranja e tornara o alto alaranjado. Os olhos verdes pareciam ainda mais brilhantes com a luz a incidir directamente sobre eles.
Ela está a ver o por do sol.
O risco facial que os lábios lhe davam era agora uma elipse com as pontas viradas para cima. Um sorriso sincero, terno, raro.
A vida era simples, e por vezes, a felicidade ainda mais simples.
Ali estava ela, quase de cócoras, as mãos cruzadas à frente dos joelhos, as costas arqueadas, um sorriso na cara e o cabelo ao vento.
O sol era agora o seu epílogo. O laranja tornava-se cada vez mais em carmesim, colorindo a natureza em volta dela. As sombras agigantavam-se e tudo se tornava num mundo de colossos.
Ela hoje viu o por do sol.
A luz do dia ainda persistia, mas o sol já tinha desaparecido ao largo.
Ela levantou-se e o seu sorriso abriu-se mais um pouco. Levantou-se de um pulo e reparou que estava um papel pequeno debaixo de uma pedra. Nele a inscrição: eu vi-te. amanhã, mesmo lugar, mesma hora?
Ela pegou o papel, guardou no bolso detrás das calças e deu ainda mais vento ao cabelo no feliz caminho até casa.


"A felicidade não é fruto da paz, é a própria paz." - Émile-Auguste Chartrier

http://www.youtube.com/watch?v=vjncyiuwwXQ&feature=share