A inexistência.
A
inexistência de conversa, a inexistência de planos, a inexistência de carícias,
a inexistência de paixão a inexistência de um futuro.
Era assim que
este casal vivia o dia a dia. Sem filhos e com empregos estáveis não havia
muito mais pelo que lutar. A casa era arrendada ao tio dela a preço de liquidação
total numa loja chinesa.
A comida era
comprada fora ou enlatada. Cozinhada apenas quando uma das sogras cozinhava. A televisão
passava séries para os dois, desporto para ele e canais do cor de rosa para
ela. É cliché, mas é verdade, não me julguem, apenas transcrevo o que imagino.
Ele ia ao
ginásio e ela também, mas a ginásio diferentes. Só jantavam juntos ao sábado,
porque à sexta ele tinha poker e ela unhas e pelos do sovaco para tratar.
Nos jantares
de sábado falavam, mas pouco. Está insonso Está bom É enjoativo É perfeito
Nunca comi nada assim Foi caro Não comas já deixa tirar foto Acho que vou pedir
um whisky Então eu peço amarguinha. O regresso era feito em silêncio no carro
ou em silêncio para o sofá\cama.
(Já) Não se
tocavam a não ser num acto nojento e mundano: Ela gostava de lhe espremer os
pontos negros.
Ele, que
ainda a amava, sentia-se pronto para a vida quando a pele se lhe doía agudamente
por entre as unhas dela. Ela só via pus e sujidade a ser limpa. Ele ainda se entesava, mas envergonhava-se porque era um porco, dizia ela. Ela já não o amava,
mas como não gostava de ler nem de o foder, espremia-o.
Com a pele aqui
e ali avermelhada e com as mãos desinfectadas adormeciam por entre um beijo de
boa noite.
Ele ainda se
sentia pronto para a vida quando adormecia, e acordava já meio mortificado. Ela
estava sempre distante e vazia, como se fosse sempre o oceano onde a vista o
deixa de alcançar. Ele desejava sempre ter a pele oleosa e ela desejava sempre
ser feliz na câmara do telemóvel.
Uma noite,
uma certa noite, ele tinha uma borbulha no peito, junto ao coração.
Ela enojou-se,
mas encorajou-se. Ele curvou-se com a dor para depois aproveitar o toque da mão
dela, a força do seu antebraço por todo o peito, o peito dela a roçar-lhe a
barriga, a anca dela a tocar a sua. Por momentos pensou que ela o podia beijar
ali mesmo, e ele a abraçá-la com força, jovial e normal.
A dor foi
tanta que morreu ali. Foi tanta pressão no seu peito que o seu peito parou.
Morreu ali,
de excesso de amor.