segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Noite de Inverno

         Ontem à noite procurei-te por toda a casa e não estavas. Ainda pensei que estivesses a jogar às escondidas comigo. Não seria novo este tipo de jogos entre nós.
        Passei a primeira noite de Inverno com os pés frios e com os braços vazios. Já não estava acostumado a isso.
        Quando te comecei a procurar sorria, e entre sorrisos verbalizava o teu nome Sofia, como se de um garoto eu me tratasse.
        Com o passar do tempo ia perdendo o sorriso e ganhando tremor nervoso na voz. Sentia os meus olhos invadidos por quentes lágrimas. Não faltou muito até que sentisse o seu sal talhar-me as faces.
        Percebi que não estavas. Percebi que não tinhas voltado. Percebi que não ias voltar e que jamais me irias aquecer os pés.

         Percebi então o significado de um funeral

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Conto de Natal

Quando dei conta de mim estava no meio de uma rua concorrida por gente de todos os credos e belezas. Apercebi-me que esta rua pertencia a uma cidade que conhecia bastante bem. Era a minha cidade.
Lembro-me de me ter agasalhado, e agora, que me reapercebi que existo, sinto a razão. Sinto o frio a tecer-me a cara como uma aranha tece uma teia.
Sinto-me mal, enjoado, como se tivesse bebido todo o vinho do mundo num só trago, mas sem perder o equilíbrio.
Sinto os meus olhos em sofrimento por causa do sol forte que se vai levantando.
Entendo então que o dia só agora começa.
Utilizo toda a minha argúcia e percebo uma coisa: é dia 24 de Dezembro.
As gentes, o frio, o raiar do sol tardio a adivinhar a mais longa noite do ano.
Para mim mais parece a Noite das Facas Longas (1).
Não me lembro de mais nada até alguém me atropelar o ombro direito. Cheirei algo conhecido. Era o teu perfume.
Estás longe, mas eu tenho saudades tuas.
E as saudades que sinto de ti apagam-me do mundo e o mundo em mim.
Começo a recordar a tua cara, as tuas covinhas quando sorris e o tremer das tuas pálpebras quando te irritas comigo.
Sorrio, e a minha mente torna-se mais pequena que a roda de um hamster, onde só cabes tu, eu e nós.
De repente, o bafo de um autocarro faz-me acordar.
Não sei onde estou, mas está frio e o sol vai nascendo.

O dia clareava enquanto o frio esquartejava a carne com sede de ti.

(1) - NdA - A Noite das Facas Longas é o epíteto para a decisão do partido nazi assassinar vários dos seus membros, especialmente das SA, na noite de 30 de Junho de 1934

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Antes de ir para a cama

É já tarde quando ele decide agarrar numa BIC de cu mordido. Pensa se existe alguém na Terra que não mordisque canetas e em particular BIC.
Na realidade nem sabe o que escrever, mas o seu editor obriga-o.
Nesta época existem computadores, tablet e outras tecnologias que tornaram os bolígrafros obsoletos, mas ele continua com tão desactualizado objecto entre dedos.
Já escreveu algumas páginas deste seu quarto romance.
O primeiro foi um sucesso inesperado; o segundo a obra de um mestre; o terceiro recuou qualitativamente e o quarto... o quarto é uma obrigação de se criar na gestação de um embrião humano. Tem 9 meses para escrever, ou fica sem contrato e sem promoção e, quiçá, sem vida.
Está sozinho em casa. A fama roubou-lhe a mulher e deu-lhe affairs que nunca pedira. Os affairs roubaram-lhe dinheiro e deram-lhe problemas. Os problemas trouxeram o quarto romance.
Tinha saudades de quando trabalhava no escritório de um hotel e a sua esposa na avenida numa multinacional.
Riam enquanto almoçavam juntos...quando dava para almoçarem.
Apanhavam sol, faziam planos de se casar um dia e planos mais sérios de serem pais.
À noite ele roubava tempo ao namoro para escrever. Não escrevia todos os dias, e ela olhava-o com paixão medida à medida que ele gastava o tubinho azul escuro da BIC.

Agora não tinha nada, nem ideias. Tinha uma casa demasiado grande para ele e um carro com mais luzes por dentro que por fora.
Recorda isto tudo e recomeça a escrever. Mas nem uma frase acaba quando o telefone toca.
"Olá"
"Quando? Agora?"
"Mas... Estou em casa"
"Vinte minutos?"
"Estou a escrever? Mas está tudo bem?"

um beep ouve-se.

Ele fica nervoso. Não sabe como reagir. A BIC rodopia nervosamente nos dedos e os dedos tremem que se fartam. Faz quanto tempo que não a vê? Dois anos e tal.
Ele sabe agora, nesta altura, depois de a ter despachado, que ela é a mulher da vida dele.
O tempo teimosamente não passa...
Até.
Até que a campainha ressoa no silêncio na casa de um homem solitário.
Ele vai a correr abrir a porta e vê-a, tão normal e perfeita como da primeira vez que se beijaram. O cabelo solto, desalinhado e mal cortado, dava-lhe um ar irreverente, apesar de trabalhar numa major mundial. Tinha o sorriso mais lindo da história, e nem uma pequena cárie o estragava. Não era alta, tinha o tamanho certo.
Ele ficou atrapalhado e ela quebrou o gelo. "Então pateta, cumprimentas-me?"
Ele ficou ainda mais atrapalhado e ela beijou-o apaixanodamente. Sem palavras começou a despi-lo e sem saber onde era o quarto, obrigou-o a fazer amor consigo ali mesmo, ao pé da porta de entrada.
No final ela diz-lhe: "Eu ainda te amo, pateta"
Ele diz: "Eu também te amo"
"Cala-te estúpido, mentiroso. Se me amasses não tinhas acabado comigo"
"Descobri há pouco que és a mulher da minha vida"
"Ah foi? Logo a seguir a te ter ligado, aposto"
"Sim"
"Como?"
"Vou escrever sobre o nosso filho"

E fizeram amor uma vez mais. No quarto.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

De volta

Hoje volto à escrita.
Faz quase três meses que não escrevo, mas hoje, enquanto preparava os legumes para a sopa de espinafres, lembrei-me que estava em falta com este blog.
Mas sinceramente não tenho nada de novo para vos dizer, humildes quatro leitores regulares.
Nestes dois meses e picos comi, dormi, fui trabalhar e . . .repeti isto até agora, quando vos escrevo com a faca pousada ao lado, ensaguentada de espinafres mutilados.
Atrás de mim a panela ferve demoniacamente o resto dos ingredientes. Batata, courgette, cenoura, tomate e não sei mais o quê.
Mas afasto-me do leit motiv da minha escrita.
Que fiz eu de interessante no último trimestre?
Andei por aqui e por ali, vi mar pinhal, vi campos a perder de vista e rodei quilómetros debaixo dos pneus dos carros. Carros alemães, por sinal.
Matei o meu irmão, esquartejei-o na banheira e limpei o sangue com amoníaco e lixívia. Ia morrendo intoxicado. Aprendi a lição: não juntar líxívia e Sonasol verde!!!
Aprendi também que o sangue não sai da roupa e que os cães destroem facilmente tíbias, e que não gostam de miolos.
O meu irmão era uma pessoa astuta, mas não sabia cozinhar. E aquela perdiz no forno que ele fez, ou melhor, tentou fazer... Que miséria!
Dei-lhe logo com a tábua nas ventas. O sangue espalhou-se em pequenas gotículas pela parede e pelo lavatório. Aquele cabrão nem levar porrada sabia, tinha logo de me sujar a cozinha.
Antes que aquilo acabasse em mal, ou em pior, dei-lhe uma cutelada no crânio, mas deixei-o ficar, para que não me sujasse o chão enquanto o puxava até à casa de banho.
E pronto, o resto já sabem, os cães comeram.
E de resto nada mudou. continuei a ir para o trabalho. A minha mãe sempre a perguntar-me pelo meu mano. Até que eu lhe disse: emigrou. Ou melhor, fugiu com uma preta para a Bélgica. Ao que parece ele tinha-a emprenhado e deixou-me sozinho com a hipoteca da casa onde vivemos. Vivíamos.
Até lhe dei uma morada da Bélgica para ela mandar cartas. A do Durão Barroso.
A preta existia mesmo, e era namorada do meu mano. Um dia, ao terceiro, apareceu-me à porta do quintal. Pedi que entrasse. Disse que nada sabia do meu irmão e servi-lhe chá fervente. Pela cara a dentro.
Estava farto de a ouvir a lamuriar-se, e ainda por cima cozinhava pior que o meu irmão.
Eu pensava que tinha acabado com aquela moinha, mas começou a gritaria.
Acabei por a amordaçar e dá-lhe uns valentes tabefes. Para acabar com aquilo tudo dei-lhe o mesmo tratamento que ao meu mano. Acho que devem ser felizes, agora os dois mortos da mesma maneira.
Isto foi a semana passada.

Hoje estou a fazer a sopa. Convidei uma amiga para vir cá jantar. Ela insistiu em fazer metade do jantar.
Adivinhem o que vai ser...
Perdiz assada...

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Desenganos II

2.
Acabou enfim a viagem para a capital.
Não mais iria esquecer aquele cheiro a podre, a mijo, a vício e o pior, a maldade violenta.
Gostou do sol, que é para todos, mas odiou tudo o resto.
Ofereceu nesse dia o casamento à sua esposa e um fatinho novo ao seu filho.
Disse que os iria proteger de tudo e que um dia iriam ser felizes algures num sítio calmo e sem ódio.
Incapaz, garantiu um trabalho numa oficina. Pagavam-lhe pouco para fazer pouco. Ele sabia o nome de algumas ferramentas e pouco mais.
Mas aqui já não era o Esquisito. Era o Silva. Era apenas mais um Silva que estava por Lisboa.
Ficava contente por alguém o conhecer pelo nome. Por outro lado era um nome anónimo. Ninguém aqui iria fazer caso de que ele fora um dos diferentes na sua serra natal. Ninguém aqui queria sequer saber de onde é que ele vinha. Só queriam que lhe passasse a chave de fendas.
Passado cerca de um ano a sua mulher de sempre tinha arranjado trabalho nas limpezas da cantina da escola que o filho frequentava.

Aqui o trabalho não é duro, há mais comida, mais luz, mas menos sol. Tudo se faz entre quatro paredes. Os patrões não se conhecem, mas o dinheiro aparece sempre contado ao dia certo.
A comida arranja-se das prateleiras, já sem raízes e sem poeira. Tudo é brilhante e bonito.
As casas não têm velas, usa-se lâmpadas a noite toda, pois não há medo de o gerador falhar. As casas, mais altas, têm entranhas eléctricas, algumas a sofrer de disenteria e outros males.
As notícias, que outrora se sabiam por quatro ou cinco estações de telefonia lá na e da terra, aqui escorrem de todos os lados, até numas línguas estrangeiras nas bancas dos quiosques.
Há sítios maravilhosos na capital, mas esses é onde se passeiam os ricos e o Silva e a sua família tinham de poupar para qualquer dia se mudarem e não podiam (nem deviam) pagar o dobro por uma bica só porque era numa artéria mais larga.
Entretanto, no meio de tanta coisa nova e de tanta gente, a Sra Silva tornou a engravidar. Um bebé, que alegria. Um bebé, mais um peso, mais um obstáculo para a felicidade.
Ainda possuíam alguma roupa do mais velho, por isso aí poupou-se um pouco para as fraldas, mas de resto, o consumo forçosamente aumentou, assim como os ordenados, e a renda, e os produtos e as dificuldades.
O Silva estava farto. Estava farto das unhas sujas de óleo e do cheiro a amoníaco da sua esposa. Estava farto das boas notas do mais velho e das fraldas a corar na corda. Estava farto dos eléctricos cheios de gente que nem um bom dia lhe davam.
Estava farto de nunca estar bem fosse onde fosse.
Quando entrou para a carreira que o levava à oficina remexeu nos bolsos à procura de trocos e lembrou-se.
Lembrou-se do mealheiro que tinha feito sem ninguém saber. Nem a mulher nem bancos. Estava escondido algures que só ele sabia e dava facilmente para ajudar às despesas de uns bons seis meses. Sem sequer ter de trabalhar.
Sorriu.

À noite, na altura depois do deitar e antes de ir para a cama, despediu-se do mais velho com um beijo na cabeça, da mulher com um beijo na face e do mais pequeno com uma festinha na mão. Disse que estava cansado e que os amava todos e seguiu para o quarto com imagens religiosas e fotografias de entes mortos ou esquecidos.
Adormeceu num ápice e nem deu conta da Sra Silva se ter deitado.
Quando acordou ainda era de dia e nem se lembrou do que tinha sonhado, se era que tinha sonhado de todo.
Acordou o mais velho, disse-lhe umas palavras ao ouvido e este levantou-se. Saíram de casa ainda com as ramelas nos olhos.
Cada um com a sua mala, dois pães e um chouriço. Água para matar a sede
Em cima da mesa tinha deixado um envelope com dinheiro e com umas simples e rudes palavras.
"Amo-te Mulher. Jamais irei encontrar alguém como tu e juro-te pela minha honra que nunca te irei trair.
Deixo-te este dinheiro para que te orientes e lembra ao Manuel que o pai dele sempre o amará.
Sempre teu, Esquisito Silva. Até que deus queira."
A carta provocou choro, irra, amor, ódio, ternura. Metade da vida dela tinha abalado e tinha abalado a outra metade. Força mulher, passa por cima que a vida é isto mesmo, pensou.
Foi ao quarto do mais velho e achou a cama vazia e ainda quente. Também lá estava um escrito "Amo-te Mãe. A gente vê-se."
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domingo, 16 de junho de 2013

Desenganos I

1.

Ao fim da manhã o sino bate a rebate. As gentes da aldeia na serra deixam-se arrebatar pelo som e pelo que vai acontecer.
No interior de cada casa agitam-se pulsos para mostrar aos olhos as horas que são, quando toda a gente sabe que a hora estava já marcada.
Os homens desta época vestem os seu melhores trajes. Jaqueta preta, camisa branca, o cordão do relógio de bolso prepara-se para brilhar na rua debaixo de um sol pungente.
As mulheres ajeitam o lenço preto de viuvez ou branco de castidade na cabeça. Um leve trabalho de renda remata o lenço. O cabelo está apertado atrás por um toco e o perfume perfumado.
As semanas são todas iguais, e os fins de semana não são piores.
De segunda a sexta o trabalho. O trabalho duro da serra. Se hoje se cava terra para as couves, amanhã fazem-se as camas para as pragas. Se para o mês que vem se talha o leite para o queijo, no mês passado apanharam-se castanhas.
Ao sábado lava-se a roupa e bebe-se copos e ao domingo aperalta-se o corpo e mente para a missa e descanso. Às vezes a telefonia chega a passar o relato da bola.
Lá na capital vive-se como a telefonia transmite, de uma forma que não se conhece nem se imagina.
Aqui o carácter é simples, trabalho, missa e sopas às escuras. A carne só em dias de festa e o peixe só de salga. Safam-se as canções do campo e os bailes magros de carne.
O prior tem a barriga cheia de mimos das velhas e das mães dos seus afilhados. A cara rechonchunda incha-se de vinho em cada eucaristia e em cada casa do seu rebanho.
E não repara que o rebanho mudo vai magro. Nem se lembra das pragas que se abateram sobre o Egipto do judeu Moisés.
O dono da maior parte dos terrenos aparece todos os últimos domingos para fazer o pagamento depois da missa. Tal como a sua prole do campo, também ele se consagra ao gordo pastor, mas não tanto.
Este não está tão magro e o cabelo reluz. As peliças, camisas e calças não estão gastas e foram talhadas à medida. A esmola que deixa no saco é curta e os almoços que paga ao prior ainda estão por fazer.
Este quer saber da carteira em vez da barriga. Deve ser por isso que as mães solteiras não lhe pegam.
No meio de tanto servilismo há um olhar que refulge. É o do Esquisito
Ele é pastor das suas ovelhas, quatro e um borrego. O terreno que tem é metade herdado, metade comprado. As couves que come plantou-as ele e regou-as a mulher. O filho que tem tem pai e padrinho, mas não é baptizado.
Esquisito está farto da pocilga em que vive, e a força branca dos nós dos dedos não o deixa entrar na igreja.
É por todos visto como o diferente o libertino, o judeu, o protestante, o amigo das putas, sem que nunca tenha tocado numa.
Esquisito não é daqui, é de um putanhedo diferente. É de uma terra onde só alguns sabem. E como ele sabe disso, aguenta os olhares desdenhosos, maldosos, invejosos.
Como D. sabe que não é daqui, apesar de aqui estar preso, cospe à passagem do gordo e levanta-se à passagem do vaidoso.
As suas roupas não são melhores nem piores que a dos outros. A sua carne é tão fraca e escassa como a dos servis, mas o seu orgulho e sagacidade é maior que qualquer um que ele conhece nas serra e além serras. Só tem igual no olhar, no toque, nas palavras da sua amada.
Naquele domingo Esquisito fartou-se. Fartou-se de ver os seus colegas de escola bajularem os patrão e os outros, desgraçados encornados ou pais bastardos, darem pouco menos do que o que tinham em esmola ao santinho..
Naquele domingo matou as ovelhas e libertou o borrego. Distribui a carne que desmanchou e vendeu as couves que sobravam.
Fez a trouxa e zarpou. Zarpou primeiro para o outro lado do seu mundo, para o outro lado da serra. Zarpou depois dali para o rio, largo e transparente.
Apanhou um autocarro e tomou lugar ao lado da sua família.
Cumpria assim o seu destino.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Exercício do casal feliz



De mão dada caminham silenciosamente por entre o jardim do palácio que foram visitar. Por entre olhares ternos, trocam alguns sorrisos cúmplices. Ambos não param de pensar um no outro.
O nome dele é C e o dela F

C – (Sou o homem mais sortudo do mundo. Nunca imaginei encontrar alguém como tu)
F – (Que seca, este gajo só me traz para jardins e merdas destas)
C – (Adoro o teu sorriso, o calor da palma da tua mão)
F – (Ainda por cima faz-me levantar cedo num domingo)
C – (Deixa-me só ver mais uma vez o teu olhar)
F – (Já está outra vez a olhar para mim)
C – (És linda)
F – (Encandeei-me, caraças)
C – (Eu sabia que ela ia adorar este sítio)
F – (Estou a ficar com fome)
C – (Se calhar é melhor irmos ver de um sítio para comer)
F – (Estava-me mesmo a apetecer fast food)
C – (Acho que a vou levar àquela churrasqueira)
F – (Isto é só pedras velhas. Vá, vamos embora daqui)

            Ambos resolvem quebrar o silêncio

C / F – Vamos almoçar?

F – (Yeah!!)
C – (Oh, foi tão querido, estarmos os dois a pensar no mesmo) Claro. Tens algo em mente?
F – Não ‘mor, decide tu. Afinal, foste tu quem planeeou o fim de semana (centro comercial, centro comercial, CENTRO COMERCIAL, ANORMAL!!!)
C – Ok. Então vamos a um restaurante que me falaram antes de virmos para aqui. Chama-se “Tá tudo em brasa”.
F – Boa (merda).

Enquanto iam para o carro o telemóvel de F tocou.

C – (Deve ser a tia-avó a dar-lhe os parabéns pelo noivado)
F – (Porra J, agora é que me ligas?)
F - É a minha tia-avó. Deve querer dar-me os parabéns pelo noivado
C – (Eu sabia. Conheço-a tão bem)
F – Olá tia, como está?
J – Tia? Sou o J.., caraças!
F – Sim, eu sei. Sim sim, ele está mesmo aqui ao meu lado
J – Merda. Estás com ele? E quando é que nos voltamos a ver?
F – Se ele já me deu a novidade? Claro que sim!
J – Vais ser mãe? Olha que o filho não pode ser meu!
F – Não seja parva tia! Não estou a falar disso. E sim, o anel fica-me bom. E é lindo
J – Já te pediu em casamento, o tanso? Então e quando é que me vens cá mostrar o anel?
F – Oh tia, não sei. 3ª-feira, se calhar. Aproveito que o C está a trabalhar no turno da noite e vou aí jantar.
J – OK, perfeito. Mas não me trates por tia! Que parvoíce pá!
F – Beijinho tia (caraças, acho que me safei)
J – Beijo. Tenho saudades tuas. Até 3ª-feira
C – (A tia dela é cá uma personagem)
C – Então, que queria ela?
F – Nada, só queria saber se estava feliz, e quer ver o anel. Acho que vou passar por lá na próxima 3ª-feira,
C – Não queres que eu vá?
F – Não C…, não te quero dar essa maçada. Depois ela não se cala e tu tens de trabalhar. Tu já sabes como ela é.
F – (Achas que a minha tia sabe que eu me vou casar contigo? Se lhe disser ela deserda-me. Ela odeia-te, burro!)
C – Sim, compreendo..


No carro tudo se mantém igual. Os vidros estão um pouco abertos, para não fazer muito vento, o rádio toca uma música conhecida e muito badalada. Por entre meios de acordes ouvem-se os pássaros primaveris.
Ele olha-a e sorri. Ela sente o sorriso na cara morna pelo sol e devolve-lho.
Ele procura a mão dela, mas apenas encontra a coxa macia. Ela trata de fazer a sua mão encontrar a dele.
Assim vão, sorridentes e doces para o restaurante das suas férias.


C – Acho que chegamos. É ali aquele restaurante enorme.
F – Eh lá! (uma manjedoura de grunhos. Lindo) É enorme! Será que a comida é boa?
C – Um empregado do meu pai diz que tem os melhores secretos que já alguma vez comeu.
F – Um empregado? (um parvónio, queres tu dizer)
C – Sim, o Eduardo, tu sabes, o das máquinas.
F – Ah sim, já sei. (claro, é só o gajo das máquinas. Porque será, oh génio?) Então bora, que estou cheia de fome
C – Espera, como nós estamos de férias, assim meio românticas, eu pedi para que fizessem algo especial. Espero que gostes.
F – (Burro, até as surpresas sabes estragar) A sério? Diz-me o que é, vá lá!
C – Não posso. (mas aquela garoupa que comprei no supermercado é qualquer coisa)
F – (Caviar? Rosbife? Vinho francês caro? Uma porcaria de uma mesa para dois? Pá!, eu só quero um grande bife do acém!!!) Oh, és um desmancha prazeres. Vá, despacha-te, oh trolaró.
C – (Ela gosta tanto de mim)

            Sentaram-se. O restaurante estava a funcionar a meio gás, e por entre bater de copos e chincalhar de talheres, ouvia-se o mastigar de boca aberta dos clientes.
Todo o cenário era digno de uma cena dos Miseráveis. Restos de comida pelo chão, mesas por levantar, loiça suja em cima do balcão e carne crua às moscas

C – Não te deixes levar pelo barulho F., a comida é muito boa
F – Não sei, isto está muito sujo. (Ao menos não me trouxe a um sítio maricas, safa!)
C – Vá lá, tem fé em mim, ‘mor.
F – (Fé? Fé? Fé em quê? Só se for na conta bancária do teu pai, porque tu nem uma porcaria de um trabalho normal arranjaste! És enfermeiro e trabalhas por turnos) Claro que tenho. Que vamos almoçar?
C – Para começar, um vinho do porto.
F – Sim, pode ser, mas não demores muito nas entradas, sim?, que eu estou a morrer de fome (carne, carne, carne!!)
C – Claro que sim. (pobrezinha, o passeio deve tê-la deixado faminta)
F – Obrigado, és um querido. (Fome que dói, oh anormal)
C – Amo-te.
F – Eu também (amo a tua herança e a carninha grelhada no prato)
C – Vou perguntar se demora muito, ok?
F – Claro.

            A fome de F mantém-se, assim como o entusiasmo de C. Do outro lado do telefone J espera por uma chamada. A tia de F. não sonha com casamento algum e o pai de C não quer entregar o dinheiro a uma rameira qualquer.

C – Ei-la, a garoupa gigante!
F – (NÃÃÃOOOO) Garoupa? Que bom! Pensava que ia ser um bife especial qualquer! (ou sem ser especial, génio)
C – Eu sabia que ias adorar. Tu adoras peixe, não é ‘mor?
F – Sim. (sorriso amarelo, amador!)
C – Já te disse que gosto muito de ti, hoje?
F – Já, mas é muito bom ouvir. (já estou a ficar farta)
C – A garoupa é boa?
F – É óptima. Mas como é que conseguiste que te fizessem peixe num sitio de carne grelhada?
C – Liguei e pedi. Disse que nos íamos casar e eles acederam no mesmo momento.
F – As pessoas são uns corações de manteiga. (eu só queria uma porcaria de carne! E hei-de a ter ainda hoje!)
C – Sim, mas a nossa história é fantástica. O sítio onde nos conhecemos (aquela praia quase deserta, só nós e os nossos cães que nos forçaram a conhecer), a garoupa que te paguei no restaurante da praia, e a tua camisola suja pelo azeite, que entornaste por estares a rir.
F – Como podia esquecer? (por acaso, tu até és giro, e tinhas um cão lindo. Mas eu entornei o azeite porque me engasguei na porcaria de uma espinha da garoupa! E que cena é tua com garoupas, ein? Eu queria um pernil pá!) Foi um dos dias mais inesquecíveis da minha vida!
C – Sou muito feliz a teu lado
F – E eu ao teu. (mas sem tantas mariquices e com carne)
C – E hoje, para lembrar esse dia, pedi o mesmo peixe de há … anos

            F. deixa cair o garfo. Apanha-o e …

C - AAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH
F – Eu só queria uma boa dose de carne, burro!!!!!!!!!!!!!!!!!!

            O garfo estava espetado na perna de C.
            O telefone tocou…

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

À Luz da Dança

Às vezes, quando estou sozinho no meu escuro pensamento e dele me querendo livrar, penso em ti.
Recordo-me do teu sorriso triste ao bailares aquela valsa com o teu marido, recordo-me do teu bocejar enfadado com as conversas das tuas amigas já gordas de costume e magras de interesse.
Lembro-me do teu sorriso envergonhado ao veres que nesse baile alguém se encontrava também farto, mas que para manter as aparências se mantinha hirto e desinteressado.
Foi um acaso que acometeu os nossos olhares. Na altura pensei veemente em ir falar contigo.Tirar-te das amarras dos vestidos de baile e levar-te a ouvir violinos bêbedos em ruas de má fama. Queria ir contigo descobrir o fundo de garrafas de brandy e a beleza de ruelas enlameadas.
Recordo-me que ao relampejo de uma gargantilha dourada pestanejei e que quando voltei à procura dos teus olhos já os teus lábios encontravam inexpressivamente os do teu marido.
Como já nada me prendia àquele sítio resolvi sair daquele funesto baile de cataduras. Perguntei pela tua mala a um subornado camareiro e deixei lá a minha desventurada morada.

Durante três demorados dias pensei apenas em ti, mas nada ouvia. Imaginava o teu corpo, os teus cabelos ruivos libertos, a tua pele morena que se escondia por debaixo de pesados poses de arroz e afins.
Ao quarto dia contaram-me. O teu cavalo tinha-se espantado quando galopava ao som do teu choro. Aquele que contigo se deitava e dançava tinha-te ciumentamente batido.
Quem mo contou foi E …, que quase levava um coice da tua queda. Quanto te tentou socorrer viu um papel na mão. Era o meu endereço.
Matei-te.