sábado, 12 de fevereiro de 2011

cheio de vazio

A noite vai escura, as ruas estavam iluminadas com o forte cheiro a petróleo queimado. A Lua Nova já se pôs e a noite ainda agora começou.
As ruas estavam vazias. É dia 24 de Dezembro e eu sigo o passo sozinho.
Olho pelas janelas adentro e vejo caras sorridentes. Olho para dentro de mim e não vejo senão tristeza, peso, lágrimas.
A chuva que me molha o corpo não me aquece o espírito. Este segue o percurso da água perdida que encontra como destino a sarjeta. Tenho a tristeza por companhia, e o fundo de um copo de vinho tinto como finalidade.
A minha tristeza agudiza-se por cada esquina de dobro. O meu rosto enconva-se em cada encontro fortuito com o vazio.
Vou andando vazio, perdido, etilizado, perfeito.
Na escuridão trôpega reecontro-me puro comigo. O que me afecta é meu. Nada nas ruas me chateia. Ninguém nas casas me interpela.
Assim continuo, triste e seguro. Seguro que o meu Fado acabará na minha morte, na minha morte solitária, bêbeda, olhando vazio pelo vazio de um copo vazio, que me vazou os bolsos e a vida.
a vida expirar-se-á num último sopro nada tenaz, fraco, frouxo. Um estertor limpo, como as ruas molhadas e escuras que piso.
Procuro desajeitadamente por chaves no bolso das calças coçadas e rotas.
Nada encontro.
Tenho a noção que não as perdi. Aliás, recordo que não me recordo da útima vez que as encontrei.
Apercebo-me que estou em casa e que não preciso de chaves.
Não hesito e deito-me, assim vestido e mortalmente pândego.
As arcadas são o meu tecto. O chão da praça pisada e repisada a minha cama. A fachada uma das quatro paredes.
Fecho os olhos e adormeço. O meu desejo para o Natal deste ano?
Talvez não acorde a tempo.


"eu sou um homem só, um único Inferno" - Salvatore Quasimodo

http://www.youtube.com/watch?v=sc54vcmcZKA

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

querer ver

Uma rua vista de uma janela algures na cidade à meia manhã. a meia luz da meia estação entra-me pelo quarto e transforma a parede alva em minha frente cinzenta. Cinzenta é como me sinto. Sozinha no meu quarto, sem ter com quem falar, porque não quero falar com ninguém. Não quero falar a vontade que tenho em falar. Envergonha-me falar por necessidade.
Lá fora a cidade parece adormecida, no seu torpor laboral. Todos estão encerrados a trabalhar e deixam as ruas desertas, inférteis, como eu estou. Estéril, vazia, oca, sem vida. O namorado e o amante enchem-me o coração e esvaziam-me por dentro. Eu sou uma sombra cheia de amor e prazer. O calor que me dão tornam-me fria. O sexo que tenho torna-me frígida. Lá fora o torpor continua. A produtividade vaza as ruas. Os carros, os autocarros, os táxis, o metro encerram quem resiste ao encerramento do trabalho.
Eu luto contra isto fechada em casa. Vazia e cinzenta. A minha luta é inócua e solitária.
Os meus olhos afundam-se na minha cara. Tenho dinheiro que me sobra, tenho amigos que o são, tenho trabalho por acabar. Sinto-me vazia... não quero felicidade, pois essa encontro-a em cada sorriso que espio através da janela. Procuro outro estado de espírito, leve, translúcido, simples, que me mostre coisas que nunca vi, com um significado maior. Não quero viajar mais, quero descobrir o que já foi descoberto pelos olhos dos outros e torná-lo meu, MEU.
O meu calcanhar bate desinteressadamente ao som de uma música que me diz algo, não sei o quê, não quero saber o quê. Sinceramente sei o que me traz essa música, mas não quero saber, quero tornar-me maior do que o que tenho, sem deixar de ser quem sou.
A parede continua cinzenta. Os meus olhos afundam-se.
A campainha toca. Levanto-me lenta e pesadamente. Abro a porta. É o carteiro.
Tem um pacote para mim. Abro-o. É a minha alma e os meus olhos.
O dia clareia e os pássaros cantam.

"o essencial é invisível aos olhos" - Saint-Exupéry

http://www.youtube.com/watch?v=nz542iQchN4