quarta-feira, 2 de maio de 2018

Sonhos Realizados

Perguntaram-lhe pelo mundo onírico. Pelo seu mundo onírico.
Começou tartamudeante e dizer que só queria ser feliz, que queria ter um bocadinho mais de dinheiro para não ter que dividir casa com uma italiana universitária e para que pudesse viajar até à Tailândia. Que gostava que as pessoas conduzissem melhor e que o metro funcionasse melhor.
Insistiram. Perguntaram (ou pediram?) por algo mais pessoal, menos geral. Toda a gente quer que o metro funcione melhor, argumentaram.
Então ela mordeu o lábio, enrubesceu e disse baixinho, como a Cinderela da canção: “Quero ser feliz. Quero alguém que me queira mais feliz do que desejo para mim, e que a minha felicidade transborde para ele.”
“Quero ser lamechas, quero que numa tarde fria de Outono, num passeio à beira mar as ondas do meu cabelo sejam as mais audíveis, e que a espuma no areal seja menos importante que a espuma dos nossos dias. Quero que ele me feche o fecho do vestido de noite e quero que ele se embebede com o vinho que escolhi para o nosso piquenique à lua cheia.”
“Quero fugir de mosquitos de mão dada e gozar quando ele, na sua forte masculinidade, se queixar porque fez um golpe no dedo ao cortar cebola.”
“Quero acordar nua com o pequeno almoço pronto e quero despi-lo sem a obrigação de que nessa noite tenhamos sexo.”
“Quero que ele me ampare bebedeiras e quero estar ao lado dele no Marquês mesmo sendo eu do Sporting.”
“Quero fazer shotgun a conduzir daqui para Aljezur e parar a meio só ele para me comprar flores que vão fugir pelo vidro aberto.”
“Quero vê-lo a adormecer no meu colo e quero senti-lo a acordar horas a seguir.”
“Quero a simplicidade de uma complexidade. Quero sorrir todas as manhãs quando ele me beija.”
“Quero ajeitar-lhe o nó da gravata antes de uma entrevista de emprego e rir ao ver quão feios ficamos em fotos de casamentos de amigos.”
“Quero que me proponha coisas parvas e infantis, como saltar a vedação de uma escola só para jogar à macaca ou furar a entrada num qualquer museu.”
“Quero essencialmente tudo isso e que a italiana vá mais vezes a casa.”
Acabou exausta, emotiva e apaixonadamente deslavada. Quase chorava e mordia novamente o lábio.Antes que alguém pudesse falar outro alguém barbudo irrompeu na sala e perguntou: o workshop de cozinha afegã é aqui?

Ela riu alto.