quinta-feira, 9 de março de 2017

Cascas de Terror

Abri os olhos algo a custo e vi a luz, uma luz, uma qualquer luz por detrás daquilo que me parecia ser uma fina parece de estuque, onde eu, fetal, me encontrava.
Debati-me para partir a carapaça onde de alguma maneira fui parar. Curiosamente não me encontrava nem ansioso nem em pânico.
Não consegui e por uns momentos, por um segundo, a carapaça nem sequer se mexeu com os meus esforços.
De repente um baque seguido por um estilhaçar como quem parte amarrota uma folha de papel e a luz fria de uma lâmpada fluorescente.
Percebi que tinha eclodido de uma espécie de ovo multicolor. Podia ver vários tons de cinzento, um preto e nos sítios onde a casca se partira via um dourado muito forte.
Desconhecia onde estava, mas ao olhar com mais cuidado notei membros decepados espalhados pelo chão, a contorcerem-se de volta de uma carcaça de porco.
Vi humanoides com garras de urso, gansos com pernas de cangurus e uma cria de elefante com cabeça de golfinho.
Dentro de um tanque um tubarão com unhas de preguiça e penas de catatua na cabeça.
Em terror corri para uma luz mais branca, mais forte, que presumi ser a saída.
Ao alcança-la vi que um enorme letreiro pendia sobra a minha cabeça. Dei uns passos para a ler e vislumbrei “Circo dos Horrores”. 

Ao ver-me numa refracção soltei um pio.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Das Coisas Ocas


Tens o olhar vazio como se de uma gárgula enviesada te tratasses.

Enviesada porque és bela. Talvez a mulher mais bela que eu já conheci.

Porém toda a beleza do mundo não é para ti nada mais que uma manhã nublada.

A mais bela de mim não sabe do que fala a canção do Armstrong, nem sei se sentes.

Tens os olhos pintados de um verde baço, sem brilho algum, assim como não tem brilho a tua vida.

Desde que o chão da tua casa se abriu em dois e de lá esvoaçaram duas folhinhas de chorão e te tocaram uma na mão outra na face que o teu corpo adormeceu.

Hoje, nessa tua casa vazia és mais um móvel que range ao respirar e cujas gavetas perderam as chaves algures no fundo do tempo.