quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Amor Impresso

A verdade é que gosto de comprar livros em alfarrabistas.
Gosto do toque usado do papel, do cheiro vivido da tinta velha, dos vincos rugosos das páginas, das marcas duras da capa, das marcas sujas de comida ou bebida.
Gosto de imaginar o que outra pessoa terá sentido ao ler exactamente o que eu leio. Imagino, durante a narrativa que leio, uma outra narrativa, o sonho acordado de uma pessoa a ler um livro, este livro.
Os meneios, o puxar o cabelo para trás da orelha, o olhar de lado.
Imagino a pessoa a ser apanhada numa paragem da STCP a cheirar um livro, da mesma maneira que eu sou surpreendido na estação da Benedita.
Gosto tanto de me sentir assim que hoje acordei ainda era de noite e cheirava-me a tinta.
No entanto deixei-me ficar na cama até ao nascer do dia.
Quando a luz clara apareceu vi a cara gigante de uma rapariga ruiva, sardenta e esbaforida dentro do que me pareceu ser uma carruagem de metro.
Virei-me para o lado esquerdo e tinha uma letra "m" em Times New Roman. Olhei para o outro lado e tinha um pequeno espaço antes de um ponto final.
Por momentos fiquei em pânico, desorientado e com o estômago esquisito, mas pouco depois entendi tudo: eu sou já uma parte do livro.
Eu sou o "A" de Amo-te, a ser lido pela rapariga do metro.