segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

querer ver

Uma rua vista de uma janela algures na cidade à meia manhã. a meia luz da meia estação entra-me pelo quarto e transforma a parede alva em minha frente cinzenta. Cinzenta é como me sinto. Sozinha no meu quarto, sem ter com quem falar, porque não quero falar com ninguém. Não quero falar a vontade que tenho em falar. Envergonha-me falar por necessidade.
Lá fora a cidade parece adormecida, no seu torpor laboral. Todos estão encerrados a trabalhar e deixam as ruas desertas, inférteis, como eu estou. Estéril, vazia, oca, sem vida. O namorado e o amante enchem-me o coração e esvaziam-me por dentro. Eu sou uma sombra cheia de amor e prazer. O calor que me dão tornam-me fria. O sexo que tenho torna-me frígida. Lá fora o torpor continua. A produtividade vaza as ruas. Os carros, os autocarros, os táxis, o metro encerram quem resiste ao encerramento do trabalho.
Eu luto contra isto fechada em casa. Vazia e cinzenta. A minha luta é inócua e solitária.
Os meus olhos afundam-se na minha cara. Tenho dinheiro que me sobra, tenho amigos que o são, tenho trabalho por acabar. Sinto-me vazia... não quero felicidade, pois essa encontro-a em cada sorriso que espio através da janela. Procuro outro estado de espírito, leve, translúcido, simples, que me mostre coisas que nunca vi, com um significado maior. Não quero viajar mais, quero descobrir o que já foi descoberto pelos olhos dos outros e torná-lo meu, MEU.
O meu calcanhar bate desinteressadamente ao som de uma música que me diz algo, não sei o quê, não quero saber o quê. Sinceramente sei o que me traz essa música, mas não quero saber, quero tornar-me maior do que o que tenho, sem deixar de ser quem sou.
A parede continua cinzenta. Os meus olhos afundam-se.
A campainha toca. Levanto-me lenta e pesadamente. Abro a porta. É o carteiro.
Tem um pacote para mim. Abro-o. É a minha alma e os meus olhos.
O dia clareia e os pássaros cantam.

"o essencial é invisível aos olhos" - Saint-Exupéry

http://www.youtube.com/watch?v=nz542iQchN4

Sem comentários:

Enviar um comentário