Olhei na poça de água e vi no seu reflexo uma figura pálida e de rosto encovado. Era eu. Eu sabia, sabia porque de cada vez que lavava a cara, de cada vez que fazia diariamente a barba, ou lavava os dentes, ou ajeitava o nó da gravata, lá estava ela, aquela figura e não outra. E não podia ser mais ninguém que não eu, eu, solitário.
A cada passo que dava sentia o frio entrar-me pelo cano das calças de linho amarrotado.
Era fim de Outubro. Os dias ainda iam quentes, mas os entardeceres arrefeciam. Ficava a pensar sobre as noites frias do deserto do Sahara, e pensar como lá poderia eu viver. O mesmo clima e a mesma solidão deste final de Outubro.
Os candeeiros laranjas-foscos já iluminavam o meu caminho e encovavam ainda mais o meu rosto.
Eu ia de encontro a ti.
As pedras das calçadas sabia-as de cor, as esquinas foram tanta vez dobradas por mim, que se se mexessem um milésimo de milímetro de cada vez que eu passasse, não eram mais que uma fima parede de papel.
A tua casa era ali, já ali. Ali e abandonada, decadente e arruinada.
O teu cabelo era o cabelo da Rapunzel, mas verde. Eu via o teu cabelo pendente da varanda breve.
Era verde como uma hera.
Ao velo os meus dentes ralos e transparentes mostravam-se. Os lábios agora sorridentes enchiam-me as maçãs dos rosto e os olhos brilhavam como que defronte de um candeeiro a óleo.
O teu cabelo era de facto uma planta que invadira a casa e caía agora pela varanda.
Eu sabia-o, eu não era tolo, mas esta imaginária era tudo o que me restava de lembrança de gentes.
Eu era o último dos homens vivos, e apenas dos teus cabelos vivia e ganhava cor.
Adormecia ali, até que a lembrança do espelho me acordava do meu torpor
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