Naquela noite ela estava na cidade grande.
Era suposto ir jantar com amigos e ficar em casa a contar histórias da vida. A chorar agora
e a rir depois.
Naquela noite ela
estava vestida para
ficar. Camisa grunge
em 2019. A moda da estação
não estava de moda no corpo dela.
Naquela noite havia uma outra gaja que queria sair. Precisava de sair. Ela não queria, estava confortável.
Naquela noite ela acabou por se deixar
vencer e deu o seu “vá, bora
lá” enfadado mas despreocupado.
Aquela noite que estava agora
a começar. Foram
aqui e ali,
e acabaram naquele
sítio da moda, ao contrário da sua camisa.
No dia antes
ele queria ir sair na noite seguinte. Precisava de sair.
Ligou ao gajo
a quem liga de vez em quando. O gajo a quem ele liga de vez em quando é um amigo,
culto, parvo e irrequieto.
No dia antes acertaram agulhas e ele aguardou. O gajo ficou
de ligar na noite seguinte.
Na noite seguinte
o tal gajo ligou. Ele tinha ficado
à espera e estava quase
a desistir para o sono, mas acabou por
vencer a letargia e deu o seu “vá, bora lá” entusiasmado e despreocupado.
Na noite
seguinte ele foi para o sítio da moda, mas saiu de lá para
ir para outro
sítio da moda. A moda nele
pouco interessa. É desleixado demais
para pensar nisso.
No sítio da moda
ela estava a dançar, a rir com amigos e amigas. Despreocupadíssima.
No sítio da moda ele entrou a medo. É um snob
musical. Não que ache que tem melhor ouvido que os outros,
mas sim porque
apenas se diverte
se a música lhe agradar. Agradou-lhe. No sítio da moda ele estava agora a dançar despreocupadíssimo.
De copo de vinho na mão, equilibrado na medida do possível equilíbrio de ritmos latinos dançantes, ele
desequilibrou-se quando a vislumbrou. O vinho equilibrou-se pq os pés
estancaram na medida em que a pulsação aumentou. Ele deve ter ficado
ali parado um mero
segundo, mas na cabeça dele
pareceu que tinha
ouvido a Stairways to Heaven de fio a pavio.
Desviou o olhar que não foi correspondido e tentou esquecer. Não tinha a lata nem
a arte de falar
com miúdas na noite. Mas de quando
em vez lançava o olhar
e uma vez houve em que se cruzou com o olhar dela.
Foi olhando dançando e a noite passando.
O álcool foi pesando e ele teve necessidade de … se encontrar com uma amiga
na fila dos lavabos
(utilizamos aqui esta
palavra porque não foi o melhor substantivo que encontramos para tão lúgubre espaço
social), saber dela
e das suas viagens e … ela
estava ali.
Ela estava na infame fila
dos lavabos (desculpem o término uma vez mais.
Obrigado) e ouvia falar
de viagens para
a América, e amizades tratadas a palavrões e abracinhos e ficou
quase com ciúme da cena.
A amiga dele abriu a porta e ela ficou
ali pendurada na luz branca
de um escuro espaço da moda.
Ele topou-a novamente, voltou a tremer
mas sentiu-se corajoso. Tocou-lhe no braço.
Ela sentiu um toque no braço mas não se assustou porque
aquela expressão já a tinha visto antes.
Ele disse… ela ouviu… ele desapareceu… ela
espantada… ele atabalhoado… ela corada e vaidosa.
…“és muito gira” … disse ele… “és muito gira” ouviu ela.