quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Vitorino em Carta

Querida não sei o teu nome,

Ontem deitei-me a pensar em ti.
Depois de um belo repasto em família e de um conhaque francês, depois de brincadeiras com a minha filha e de a ter ajudado com os trabalhos. Depois de um "Boa noite Inês. Amo-te" e de uma imitação cobarde a um beijo sentido.
Antes menti e disse que tinha ficado a trabalhar um pouco fora de horas.
Hoje, ao café com leite e à sandes mista, lembrei-me que adormeci a pensar em ti.
Lembrei-me da primeira vez que te aluguei. Devias ter uns 15 16 anos. Foi há 7 meses. Nunca me beijaste nem gemeste. Acho que nem sequer olhaste de sempre que eu estive por cima de ti.
Adormeci a pensar em ti, não apaixonadamente, mas comovido. A tua última memória em mim foi o teu corpo parado à beira da estrada, ao pé da paragem do 723.
Lembrei-me do teu cheiro a vida. Suor. Pobreza. Mato. Outros homens. Sexo. Inocência perdida à força.
Sempre que chegava perto de ti, à hora marcada, ajeitavas o desajeitamento em que algum outro Coronel te tinha deixado. Sacudias folhas secas e areias.
Ontem, quando te deixei não sacudias folhas nem te arranjavas. Mal te via na estrada. Passei por ti e não parei, mas travei.
Vi uma seringa no chão e um sorriso aliviante na cara. Triste porém, sempre triste. Mas bela, sempre bela.
Sensível arranquei e agridoce me senti.
Triste e feliz por ti.
Não te tocarei mais, mas também não serás nunca mais tocada.
Os quinhentos escudos deixam de fazer falta.

Hoje o pão sabe melhor.

http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/vitorino-boleroDoCoronel.HTML
https://www.youtube.com/watch?v=iUUfDb_NxHg

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