terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Invernia

Dias de chuva obrigam-me a recordar torradas, café com leite, rádio à luz das velas. A infância. Os mortos.
O de hoje não é diferente, mas é.
Enquanto sorvo o ar quente e cinzento pela piteira do cachimbo recordo-me desse tempo. Estou quase a tentar-me emocionar, mas não consigo.
Se o sorriso for uma emoção, então nego o que escrevi acima.
Sorrio ao som e cheiro dessas memórias.
A minha avó dizia-me que o cheiro a terra molhada não era digno se de chamar. Trazia a morte. E também não podia falar alto quando trovejava. Era deus a falar. Pena não o ter percebido.
Pois bem, hoje tenho a terra do quintal molhada e deus está a falar, e continuo a não o entender.
Afinal a minha avó tinha razão. A terra molhada chama a morte.
Vejo-a à minha frente. Magra, esguia, escura.
Na mão direita a gadanha e na esquerda ossos e obscuridade. O capuz longilíneo
Quase tento tremer de medo, mas não consigo.
Se o sorriso resultar do medo, então sou um medricas.
Se fosse há uns anos irritava-me com isto tudo! Revoltava-me estas modernices.
Hoje, já avô, sorrio e faço-me de assustado ao ver o meu neto de 8 anos vestir-se de morte.
E invejoso.

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