segunda-feira, 23 de maio de 2011

a noite encontro-me

A noite caiu magoando-me. A sua negra estrela atinge-me como um raio e derrota-me.
O último raio de Sol que aparecia relembrou-me o cisne e o seu canto. As trevas da noite são o meu fim, a minha inexistência diária.
A minha vida ganho-a diurnamente, dando sorrisos e rebuçados a quem dentro da caixa. O silêncio vinga-me a fome, mas a noite silenciosa vinga-me o silêncio.
Eu vivo das pessoas, vivo do burburinho, vivo dos risos e dos olhares que não vejo nas minhas costas.
A minha roupa muda todos os dias, renovo-me a cada dia que amanhece, como se fosse um tira-olhos em cada dia que passa sobre o meu pedestal.
A noite traz de volta a minha condição.
O dia, glorioso, luminoso, mesmo com chuva, alimenta-me, enaltece a minha fisionomia, o meu ar, ora encovado ora bonacheirão. O dia realça a minha maquilhagem, o meu ser renovado e reformado. O dia mostra as minhas capacidades, a minha argúcia, o meu talento, o meu engenho, até que o nefasto pôr-do-sol apaga o que durante o dia construi.
Deixo de ser quem até ali fui. Deixam os outros de me ver como eu era. Deixo de saber como estou. A noite destrói o meu trabalho, a minha arte, o meu-ganha pão. A noite é a minha morte quotidiana.
Aninha-me no peito a réstea de esperança do amanhã, porque sei que o amanhã terá o seu dia e o seu sol, a sua luz e as suas sombras, porque sei que amanhã me pintarei, me vestirei para ser o que sei fazer, que é encarnar em alguém grande, imortal. EU SOU IMORTAL com e no dia, nada me apagará, a não ser a noite.
A noite, a puta da noite, a desgraçada da noite mostra-me o que eu esqueço.
A noite, a puta da noite, a desgraçada da noite ilumina-me a razão.
A noite, a puta da noite, a desgraçada da noite recorda-me que eu... que eu...
A noite, a puta da noite, a desgraçada da noite sou eu
À noite, na noite recordo-me que eu nunca sou eu, que eu sou apenas uma pessoa que se pára e os outros admiram.
À noite, na notie choro porque eu sou um homem-estátua, e toda a minha vida é a vida daqueles que represento.
À noite, na noite sei que o homem-estátua que sou vive sozinho todo o dia, que os sorrisos que me alimentam sorriem para o Júlio César ou para o Lincoln.
À noite, na noite mortifico-me e espero pelo dia que aí vem.
Sou uma estátua de mim, à noite, na noite

"A escravidão é o estado natural do género humano, até que se realiza a libertação." - Xavier Maistre

http://www.youtube.com/watch?v=QWs8DaWbK8w

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