Parece que estou numa prisão, vejo a mesma coisa todos os
dias.
De manhã vejo o meu marido a babar-se na almofada. Que linda
maneira de começar o dia. Depois vejo o pacote de cereais da minha filha, o
pacote de leite e a tigela preferida dela.
A seguir vejo o cabelo dela em desalinho e os pés na
almofada, mas a almofada no sítio. É o demónio da miúda que se mexe na cama.
Acordo-a, mando-a lavar os dentes, mando-a comer.
Vejo o frigorífico e o post it que o meu marido lá costuma
deixar, com coisas bonitas. Safa-se sempre da louça por lavar, o palhaço
adorável.
Mala, telemóvel, chaves do carro, chaves de casa. Recado de
compras ao marido na mesa.
Vejo o meu carro suburbano. Preto como sempre. Abro-o. Sento-me. Vejo a janela da cave de todos os dias.
Marcha atrás. Primeira. Em frente, acelera. Rotunda. Passadeira.
Semáforos. Acelera. Via rápida. Pisca á direita. Parque do trabalho.
Saio do carro. O mesmo alcatrão esburacado. Tenho cuidado
com os saltos. Tenho vergonha e medo de cair.
Entro no escritório. Bom dia à mesma secretária dos últimos
três anos.
Vejo os mails. Faço chamadas. Almoço, fumo 4 cigarros por
dia. Bebo 3 cafés. Saio. Faço o mesmo caminho, mas ao contrário. Estaciono no
mesmo sítio.
Janto o que o meu marido terá feito. É claro que tenho de
lavar a loiça. Enquanto ele ajuda com os deveres da miúda.
Sento-me no sofá. Ele senta-se na chaise long do mesmo sofá.
Enquanto eu vejo TV ele lê. Por vezes trocamos de tarefas de ócio.
Perto da meia-noite deitamo-nos. Ele do lado direito da cama,
eu do lado esquerdo. Por vezes fazemos amor.
No outro dia tudo volta ao mesmo.
Mas HOJE fui libertada.
O meu chefe despediu-me
O meu chefe despediu-me
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