terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Aguilhotinada em Si

Já não sei às quantas ando. Nem me lembro, tal são os dias sempre iguais.

Parece que estou numa prisão, vejo a mesma coisa todos os dias.
De manhã vejo o meu marido a babar-se na almofada. Que linda maneira de começar o dia. Depois vejo o pacote de cereais da minha filha, o pacote de leite e a tigela preferida dela.

A seguir vejo o cabelo dela em desalinho e os pés na almofada, mas a almofada no sítio. É o demónio da miúda que se mexe na cama.
Acordo-a, mando-a lavar os dentes, mando-a comer.

Vejo o frigorífico e o post it que o meu marido lá costuma deixar, com coisas bonitas. Safa-se sempre da louça por lavar, o palhaço adorável.
Mala, telemóvel, chaves do carro, chaves de casa. Recado de compras ao marido na mesa.

Vejo o meu carro suburbano. Preto como sempre. Abro-o. Sento-me. Vejo a janela da cave de todos os dias.
Marcha atrás. Primeira. Em frente, acelera. Rotunda. Passadeira. Semáforos. Acelera. Via rápida. Pisca á direita. Parque do trabalho.

Saio do carro. O mesmo alcatrão esburacado. Tenho cuidado com os saltos. Tenho vergonha e medo de cair.
Entro no escritório. Bom dia à mesma secretária dos últimos três anos.

Vejo os mails. Faço chamadas. Almoço, fumo 4 cigarros por dia. Bebo 3 cafés. Saio. Faço o mesmo caminho, mas ao contrário. Estaciono no mesmo sítio.
Janto o que o meu marido terá feito. É claro que tenho de lavar a loiça. Enquanto ele ajuda com os deveres da miúda.
Sento-me no sofá. Ele senta-se na chaise long do mesmo sofá. Enquanto eu vejo TV ele lê. Por vezes trocamos de tarefas de ócio.

Perto da meia-noite deitamo-nos. Ele do lado direito da cama, eu do lado esquerdo. Por vezes fazemos amor.
No outro dia tudo volta ao mesmo.

Mas HOJE fui libertada.

O meu chefe despediu-me


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