terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Um Novo na Multidão

Já na rua notei que toda a gente tinha o olhar esquisito. Parecia que a sombra que por vezes a fronte provoca fosse hoje mais forte em toda a gente. Em toda a gente.
E parecia que essa sombra os cegava, mas de uma maneira esquisita.
As pessoas passavam por mim, desviavam-se de mim, mas sentia-se uma aura de indiferença, uma neutralidade.
Não houve uma troca de olhares, por mais que eu tentasse trocar o meu.
O dia estava cinzento, algo chuvoso. Tudo para onde eu olhava tinha esse tom grisalho.
Olhei mais atentamente e as roupas eram todas praticamente iguais: os homens de sobretudo cinzento, sapatos finos mas já gastos, fatos escuros e gravatas monotom; as mulheres usavam sapatos de cunha, roupa de escriturária e transportavam malas na mão direita. Ninguém tinha jeans a não ser eu e um mendigo. Mas as deste estavam rasgadas e sujas.
Desço para o metro e as filas são pouco agitadas e silenciosas. Toda a gente seguia uma ordem imaginária e todos tinham o dinheiro certo.
Pensei que estava num sonho ou pesadelo, e na tentativa de despertar mandei-me contra o multibanco. O resultado foi uma dor no ombro.
Sentei-me na primeira carruagem do metro, de costas para o caminho. Os meus concidadãos estavam a ler livros com a capa protegida e não consegui deslindar se liam Zola ou a colecção Arlequim. Alguns deles mexiam no telemóvel ou no tablet. Ninguém falava ou levantava a cabeça.
Um minuto antes de ser anunciada a estação, um punhado de gente levantava-se e alinhava-se para a saída.
Por azar ou sorte a minha estação era a terminal e tive de ver todo aqueles repetitivo espectáculo.
Tudo isto me parecia desconcertante. Esta ordem crua e distante. Vazia de sensações, de sons, de vida.
E mais estranho me pareceu por eu, em 40 anos de vida nunca ter reparado nisto. Não achei que o mundo tivesse mudado literalmente da noite para o dia. Ainda assim segui o meu percurso como sempre.
Quando o metro parou lembrei-me que tinha deixado a roupa espalhada no chão da sala do meu T2 e que por cansaço de qualquer origem adormeci pesadamente.
Esbugalhei os olhos e sorri: Ontem não vi o jornal da noite.

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