terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Vida Vazia

         Tu eras daquelas gajas perfeitas. Cabelo louro, bem tratado. Lábios naturalmente carnudos e uns olhos verdes esmeralda. Tinhas a pele levemente morena e um pescoço esguio.
As tuas mamas, ui, as tuas mamas. Grandes, mas não em demasia, debaixo dos tops e camisolas decotadas e das camisas desabotoadas. Tinhas uma cintura fina e um rabo perfeito. Alguns de nós ainda desconfiávamos que era das calças, da magia da ganga, até te vermos na praia com os teus bikinis.
Tinhas as pernas magras mas um pouco tonificadas.
Eras tudo aquilo que qualquer gajo sonhava comer, mas que só alguns podiam.
Moravas num bairro do subúrbio e trabalhavas como secretária num escritório de advogados. Mas na verdade nenhum homem queria muito saber disso. Estávamos mais interessados em pagar-te um jantar e levar-te para o quarto. O nosso ou o de um hotel mais ou menos fino, para alimentarmos o nosso ego e te mostrarmos como troféu aos outros. O destino era uma foda brutal. Ou a esperança disso.
Um dia, mais tarde, os outros também te passaram a cobiçar. É que se antes eras mais que boa, com a tua roupa de pouca qualidade e as calças compradas nos centro comerciais, agora, com os vestidos e jóias falsas que os teus amantes te ofereciam, elevaste a fasquia. Passaste de vaca de advogado, jornalista ou do engenheiro para passares a ser cobiça de sócios de escritórios, directores de informação ou de um outro político promíscuo. E pouco te faltava para seres a puta dos patrões.
Tu adoravas. Presentes aqui a cair a jorro. Sentias-te importante, poderosa. Sabias que nas horas que estes gajos estavam contigo, as mulheres estavam em casa acreditando em horas extraordinárias e a ver novela.
Eras presença nos jantares de gente importante, que comprava roupa em Nova Iorque, e por medida. Ouvias pequenos segredos de Estado que não compreendias, nem querias porque te faltava aquela mala na toilette, e isso era o que mais te interessava.
Entediavaste quando te levavam à ópera, porque tu querias era uma discoteca.
Tu até podias ser daquelas gajas boas e invejosas, mas não eras. Tinhas o teu grupo de amigos, que te tinham em boa conta, simpática, divertida. Alguns dos teus amigos admiravam-se por tu não teres ainda namorado, ou namorada. E tu havias de responder sempre que não tinhas tempo, que trabalhavas muito, e que gostavas mais de compras e de sair do que de homens.
Eras assim, levavas uma vida conto de fadas para adultos. Para um novo casaco, um novo hotel, para uma prestação da casa, uma queca.
Ias indo feliz, consumista, inserida na esfera da influência que não tinhas noção que existia. Sentias-te importante mas não te gabavas. Sabias que o Dr S… decidia sobre a taxa de juros, mas tu nem sabias o que era o juro. O Eng. D… queria a estrada ali mas tu nem sabias onde o ali ficava.
Mas o teu tempo passou. As veias das mãos começam a dar um ar da sua graça. A cara, que foi outrora queimada pelo sol, começa a mostrar as suas manchas. Tens pequenos papos debaixo dos olhos e rugas na testa. Começam-te a aparecer as primeiras brancas.
Estás-te a reduzir à meia idade, mas infeliz, porque até aqui não te deste conta que o tempo passava.
Os gordos que te alimentaram e te comeram agora cagam-se para ti.
Agora, à beirinha dos 40 anos vês-te sem gajos que te paguem um copo ou as jóias. Os que contigo se deitaram agora desprezam-te. Passam por ti nos novos carros. Alguns deles tu ainda conheces os bancos sujos de orgasmos. E se algum deles te vir na rua, faz que não te conhece.
E na realidade já não te reconhece. As tuas nádegas firmes já não existem. As mamas falsas e tesas que te deram estão deslocadas do teu corpo flácido e gasto.
Agora, que na raiz dos teu cabelos estão a aparecer brancas e que os teus amigos não entendem a tua depressão, tu apercebeste-te de uma coisa:
O teu coração está vazio.

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