domingo, 3 de abril de 2011

A grande mentira

Havia um boliço na terra.
As mãos agitavam-se ansiosas, como se não se quisessem largar mutuamente, por medo ou por amor. Os olhos olhavam em redor a procurando algo que a memória se poderia ter esquecido, um relógio de bolso, um lenço, um alfinete, mas na verdade nada faltava.
Os homens vestiam os seus melhores fatos, já coçados nos cotovelos. As mulheres compunham-se com as melhores combinações e o brio do ouro em volta do pescoço e dos dedos.
As senhoras de lenços rendados na cabeça iam espreitando ao postigo. Os homens com os seus chapéus panamá debruados a negro iam-se agrupando às esquinas. Todos olhavam para o relógio, apesar de todos saberem que a hora estava marcada e que o sino na torre da igreja os chamaria.
Dentro da igreja lá estava ele, primorosa e pobremente vestido. Camisa branca, lívida, sobre um casaco preto, com um laço antigo a compor. As calças da cor do casaco e os sapatos da cor da gravata. Seria ele o mais afastado da porta da igreja, não fosse o padre, que a encimava do seu pedestal. Vestes brancas e estola e casula púrpura compunham o seu paramento.
A igreja ia-se enchendo vagarosamente, mesmo antes do sino ter chamado. As mulheres enxugavam as lágrimas de emoção a um lenço rendado com o lenço da cabeça.
O burburinho intensificava-se e os homens que já apareciam prostravam-se à porta a louvá-lo, àquele que agora estava ali de junto do padre.
O sino tocou.
Já toda a gente sabia o que aí vinha, mas ninguém queria, ninguém podia faltar ao chamamento.

Tinha começado o funeral.


"A vida já é curta, mas nós tornamo-la ainda mais curta, desperdiçando tempo." - Victor Hugo


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