A luz batia-me tão forte na cara que eu mal via o caminho.
O dia tinha acabado de nascer e o sol, ainda baixo e alvo,
inundava-me a vista e cegava-me a condução.
Conduzia por intuição numa estrada que o meu carro já
conhecia de cor.
Atrás deixava metros e metros empoeirados de caminhos de cabra
que provavelmente de cabras só tivessem tido o nome.
Seguia a caminho da horta do Alfredo, um velhote esperto,
esquivo e velho. Devia ter 130 anos, mas espírito de 80.
Ainda era ele que cavava a terra com uma enxada já gasta de
torrões e pedra.
Eu ia comprar verduras, temperos e alguns legumes para levar
para a aldeia. A gente lá tinha-se começado a desleixar desde que a luz chegou
às ruas. Começamo-nos a deitar mais tarde porque ficamos mais tempo na rua a
desdizer e desdenhar. E depois as hortas secam-se.
Para mim foi uma oportunidade. Com o meu charrueco inglês
era mais rápido que as mulas dos meus vizinhos e a alface não chegava tão
esmigalhada e mole.
Enfim cheguei perto do Alfredo. Parecia que me esperava, com o queixo apoiado na enxada e no pulso um cordelinho fraco a fazer de trela do seu cão Ginete, que de ginete tinha o nome, como o caminho de cabras.
- Bom dia Alfredo, estás bom?
- Cá vou andando. Olha, hoje não apanhei tomates. Ontem não os reguei e hoje tenho-os murchos.
- Estás sempre a brincar. Então pronto, levo o que tiveres rijo.
- Vá, a encomenda está ali no casebre. Vai lá busca-la.
- Obrigadinho. Pago-te já para não andar a parar no caminho.
- Qualquer dia, para não andares a parar no caminho ainda
vais ter tudo rijo na mercearia do Judeu.
- É o progresso.
E lá me fui eu embora, a queimar gasolina e a rezar por
alcatrão para o bem das molas do meu carro.
Hoje ainda se deve ter salada para o almoço.
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