sábado, 12 de março de 2011

uma manhã de Inverno

Saí de casa atrasado, mas ainda assim não me apressei.
O elevador esperava por mim no meu piso, o botão do piso 0 foi pulsado. O elevador deselevou-se pesadamente por meio de carretos e rodas dentadas.
Desci o lanço de escadas que me precipita sobre a rua. O automatismo da porta funcionou e um estalido ecoou.
Saí à rua e havia pessoas. Poucas pessoas. Solitárias na rua como eu, e pouco me interessa se são solitárias em casa ou nos carros ou em qualquer outro sítio.
Passo por duas senhoras que aguardam o seu turno no multibanco. As suas mãos não param, estão nervosas. A escravatura da moda obriga-as vilmente a usarem roupa desajustada de Verão no Inverno (pergunto: não tinha sido abolida a escravatura?).
Deixo para trás esta gente e dobro a esquina, desço as escadas de acesso ao metropolitano e dou de caras com caras fechadas, olhos ramelosos, ouvidos fechados por auriculares, punhos cerrados que carregam malas cheias de futilidades ordinárias. O seu passo é apressado, como se desejassem voltar ao seu ritmo enfadonhamente repetitivo.
Ninguém repara em mim enquanto eu reparo no resto. Ali o que tudo importa são os sons que não ouvem. O aviso de obliteração do bilhete, o aviso de fecho de portas, o tilintar dos trocos na máquina das franquias de bordo, os baques dos sapatos no soalho.
As pessoas continuam surdas e escravas. As palas invísiveis que usam nos olhos permitem-lhes não me ver. Encontro-me a fazer um slalom perante elas para que não esbarrem comigo.
O túnel findou, subo à rua, ébrio da cegueira social dos demais.
O sol torna-me a invadir os poros e o oxigénio marado envenena-me os pulmões.
Olho para o relógio e estou atrasado... atrasado para a escravatura.

"A escravidão é o estado natural do género humano" - Xavier Maistre

http://www.youtube.com/watch?v=7e3-Vg1gIx0

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