Manhã de domingo.
Eu ainda meio acordado e meio rameloso visto a roupa que a
minha mãe me deixou aos pés da cama.
Camisa aos quadrados, calças de bombazine, pullover verde e
sapatos novos. Pretos.Não me posso esquecer de usar fio e pulseira de ouro.
A mãe chama-me ao longe, mas de perto o suficiente para eu a ouvir e sentir medo de levar um açoite.
Despacho-me e como uma sandes de marmelada que ela me preparou. O pão é de ontem mas a marmelada é muito docinha.
Dá-me leite quente, mas eu prefiro o chocolate que a minha avó me há-de dar no caminho.
O meu pai já está todo aperaltado e eu quero usar um relógio de bolso e um chapéu de aba quando for do tamanho dele.
Saímos os três a pé e o meu irmão de cinco meses ao colo.
Hoje é dia de festa da igreja. Vem cá o Senhor Bispo dar a Bíblia
aos moços que têm mais um ano que eu. Alguns deles nem sabem escrever o nome
deles.
Acho que fazem isto por ser bonito e é assim que deve de ser.
Não percebo, mas pronto.
Para o ano sou eu a estar vestido com uma opa branca e uma
cruz de madeira ao peito e a fazer força para não me rir.
Deve ser por esta altura e o Senhor Bispo há-de vir bendizer
a Bíblia a gente.
Eu já sei ler hoje, por isso para o ano sei ler melhor. E nesse
dia hei-de mostrar ao Bispo que sei ler!
E depois vou perguntar ao Senhor Bispo que se deus perdoa tudo
e todos e é amor, porque é que há Inferno e porque é há um menino na minha
escola que diz que deus se chama Alá e que não o deixa comer sandes de chouriço.
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