Ela só queria saber como era um bastidor da vista da cadeira
do apresentador, e ter alguém como ela a penteá-la, a dar-lhe mimo e a
mentir-lhe acerca de quão bela estava no hoje daquele dia.
Queria um dia saber como era falar para a câmara antes de
receber o retoque de maquilhagem, dado por alguém como ela, durante o intervalo
ou uma VT.
Quando saía do trabalho, por vezes já noite tardia, tinha os
pés doridos e inchados e na mão uma mala cúbica.
Quando chegava a casa, sonhava acordada no banho e mexia os
lábios sem imitir som como se fizesse playback agarrada ao chuveiro.
Tinha deixado o marido por ser roliço e contabilista, mas
dizia que era por já não sentir a chama.
Era amante da nova coqueluche do canal, mas só às segundas-feiras,
no resto dos dias era amiga de uma suburbana como ela e solitária na maior parte
das noites.
Um dia teve a sua oportunidade: o seu amante arranjou-lhe
uma entrevista no programa da manhã, para falar sobre a vida de maquilhadora de
TV, e, como bónus, podia cantar uma canção a seu gosto, já que cantava bem.
Nesse dia maquilhou-se em casa, sozinha.
Nesse dia apanhou o metro até ao canal de cabeça levantada.
Nesse dia maquilhou os apresentadores como sempre.
Nesse dia foi maquilhada para a TV como nunca.
Nesse dia a entrevista correu bem, riu muito, nervosamente.
Nesse dia cantou mal, pior que no duche.
Nesse dia foi a chacota das redes sociais e dos programas
cor-de-rosa
No dia seguinte ninguém soube dela, nem deram pela sua
falta.
Menos o amante.
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